humedeço a primeira folha, rasgo-a e levo-a depois à boca. sabe a mar.
nasci no verão e a mãe molhava os pés na água salgada para enganar o inchaço. nascemos pesos. pesos-pessoa ou pessoas-peso. a mãe aliviava-se e ensinava-me já aí que temos de dar um jeito para aguentar. aos cinco anos comecei a pintar para despejar o excesso, aos sete desenhava e aos doze escrevia. às vezes não sabia despejar nada e vazava e era um maremoto e engolia a mãe o pai a casa a cidade os monstros a alma. por todo o lado sabia a mar.
um dia uma educadora disse ‘jéssica, se não paras de chorar molhas as folhas todas e não podes pintar mais’, e eu optei por não pintar mais.
humedeço a segunda folha, rasgo-a e levo-a depois à boca. sabe a mar.
repito.
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